Na esteira da comoção nacional após o acidente com o avião da Chapecoense, a Atea, Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, publicou em seu perfil no Facebook uma imagem na qual fazia uma piada sobre a bondade de Deus e sobre aqueles que acreditam nele.
Na parte de cima da montagem, uma foto de jogadores de futebol ajoelhados e rezando, sob a frase “Jogadores da Chapecoense rezando”. Na parte de baixo, uma foto de destroços do avião caído: “Resposta de Deus. Pode confiar amiguinho,
A Atea é a maior associação brasileira de ateus e agnósticos, aqueles para quem a existência ou não de divindades é uma questão em aberto. Ela diz reunir 19 mil membros. A postagem foi amplamente denunciada e criticada inclusive por outros ateus, que disseram que a organização tripudiava do luto alheio.
O professor de história de São Paulo Vinicius Godoi, de 27 anos, ateu desde os 14, foi um dos críticos: “Isso pra mim foi a gota d’água. Eles estão fazendo chacota com a dor das pessoas, estão se rebaixando ao nível dos fanáticos, usando um momento de luto para pregar o ateísmo”, disse ele à reportagem.
Por outro lado, outras pessoas defenderam a postagem, inclusive o sobrinho de um dos jornalistas mortos no acidente. Ateu, Nataniel Biavatti escreveu aos administradores da página para dizer que não tinha se sentido ofendido com a mensagem. “Não tem como se irritar com aquilo. A própria página é direcionada a estes tipos de postagens, criticando ou cobrando coisas que Deus deixa acontecer ou de fazer”, disse o rapaz, sobrinho do jornalista de Chapecó J. Biavatti.
Após as criticas, a imagem foi tirada do ar pelo Facebook, e a associação escreveu um pedido de desculpas irônico. Mais tarde, publicou outra imagem na qual dizia que “louvar um Deus que não impediu o acidente” é “ser sádico com as vítimas.”
O engenheiro Daniel Sottomaior, presidente da Atea, defendeu a postura e disse que também é direito dos ateus divulgar seus pensamentos. Segundo ele, as postagens fazem parte da campanha que a associação faz contra o preconceito em relação a quem não acredita em divindades.
“Essas postagens possivelmente só tiveram essa reação negativa porque foram sobre um time de futebol, e futebol é a religião nacional”, disse ele. “Nós temos duas causas, a promoção da laicidade do Estado e a defesa dos ateus contra o preconceito. Essas postagens têm a ver com essa questão do preconceito.”
“Como ateus, estamos saindo do armário. Como você vai combater o preconceito se as pessoas não se expõem? É parte da nossa estratégia: combater uma sociedade em que o ateu tem medo de dizer o que pensa.”
“Ateus têm direito a fazer proselitismo também”
Questionado sobre se isso não seria proselitismo antirreligioso, o presidente da Atea, disse que os ateus também têm direito a isso: “Alguns ateus falam de proselitismo como se isso fosse pecado, só porque os religiosos também são proselitistas.”
Questionado sobre se esse tipo de mensagem não poderia ser ofensiva a quem acredita em Deus e às famílias das vítimas, o presidente da Atea disse que muitos ateus também se ofendem com a postura de religiosos.
“Digamos que um parente meu tivesse morrido. Muitos ateus, inclusive eu, se sentem ofendidos quando um religioso diz que aquilo aconteceu e você tem que agradecer a Deus. É o fim da picada! Mas é uma posição que já se normalizou na sociedade. A explicação religiosa se tornou um padrão social e tudo bem, o que fazemos é questionar o padrão social. Os ateus não podem ser silenciados.”
Ateu da Colômbia concorda com propaganda antirreligiosa
Daniel Vargas é membro de algumas organizações racionais da Colômbia, país que foi palco da tragédia que vitimou a delegação da Chapecoense. Em nome da Associação de Ateus de Bogotá, Vargas disse ao UOL Esporte que os ateus também têm o direito de usar o acidente para criticar o pensamento religioso.
“A religião tem monopolizado a vida do ser humano, nos mais momentos felizes e nos mais tristes, e supostamente nós ateus não deveríamos nos ofender por isso”, disse ele. “Creio que os ateus também temos o direto de tomar um caso desses, dessa tragédia, e criticar o pensamento dos crentes e ninguém deveria se ofender.”