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Charles Spurgeon e o dom de profecia

Do início ao fim de sua vida, o pregador inglês Charles Spurgeon (1834-1892), considerado por muitos reformados como “o príncipe dos pregadores” no século 19, esteve rodeado pelo dom de profecia. Embora Spurgeon não se declarasse continuísta e algumas vezes até tenha feito declarações sobre a restrição de alguns dons à era apostólica, fato é que na prática Spurgeon recebeu profecias, fez profecias e viveu profecias. Isso demonstra o quanto Deus é soberano na concessão dos seus preciosos dons! Se alguém duvida disso, então que leia os relatos a seguir. Na verdade, seria ingênuo dizer que Spurgeon foi cessacionista nos moldes como tomamos esta palavra hoje. A teologia cessacionista (ou cessacionismo) propriamente, que é militante e adversária do continuísmo (crença na continuidade dos dons espirituais), estava ainda sendo formulada (bebendo fortemente no racionalismo alemão) pelo famoso teólogo calvinista B.B. Warfield, considerado “o pai do cessacionismo”, que somente em 1918 é que publicaria sua obra Counterfeit Miracles (Milagres falsificados). Ou seja, 25 anos depois da morte de Spurgeon é que podemos encontrar uma teologia protestante cessacionista.

Leia os relatos abaixo e perceba o porquê de acreditarmos piamente na ocorrência do dom de profecia na vida de Charles Spurgeon.

I. Profecia na infância de Spurgeon

No capítulo V do 1° volume da Autobiografia de Spurgeon, material compilado por sua esposa e por sua secretária, o próprio Spurgeon descreve uma profecia que ele recebeu quando era uma criança, através de um amigo da família, o Sr. Knill.

Richard Knill (1787-1857), ex-missionário na Índia e na Rússia, profetizou que Charles Spurgeon, sendo ele ainda uma criança de 10 anos apenas, seria um pregador do Evangelho e um ganhador de almas e que pregaria na famosa capela de Rowland Hill na Inglaterra. Com a criança no colo, o missionário Knill disse a seus cuidadores: “Não sei como, mas tenho um solene pressentimento de que este menino pregará o Evangelho a milhares e que Deus o abençoará com muitas almas. Estou tão seguro disto, que quando meu pequeno homem pregar na capela de Rowland Hill gostaria que cantasse o hino que começa assim: ‘Deus se move de maneira misteriosa, para suas maravilhas efetuar’”.

Spurgeon reconheceu a autenticidade da profecia e a mencionou quando aos 21 anos de idade pregou na capela de Rowland Hill e cantou o hino que o velho missionário lhe tinha pedido 11 anos atrás na casa de seu avô: “Deus se move de maneira misteriosa”.

E antes que alguém suponha que esta história não tenha passado de uma lenda ou que não se trate exatamente de uma palavra de profecia, deixemos que o próprio Spurgeon diga do que se trata, conforme consta em sua Autobiografia: “A história do senhor Knill profetizando que eu deveria pregar o evangelho na Capela de Rowland Hill e nas maiores congregações do mundo, foi considera por muitos como lenda, mas era estritamente verdade (os grifos são meus)

Quem quiser descrer desta profecia, descreia. Spurgeon, porém, cria piamente nela!

II. Profecia na juventude de Spurgeon

Dois dias antes de completar 21 anos, em 17 de junho de 1855, pregando na Capela de New Park Street, em Londres, Spurgeon fez a seguinte declaração em seu sermão “O Poder do Espírito Santo” (grifos meus):

“Outra grande obra do Espírito Santo que não está cumprida ainda, é trazer a glória do último dia. Em alguns anos, não sei quando, não sei como, o Espírito Santo será derramado em uma forma mui diferente que no presente. Há diversidade de operações. E durante os últimos anos tem ocorrido das operações diversificadas consistirem muito pouco derramamento do Espírito. Os ministros seguem em sua rotina monótona, continuam pregando, pregando, pregando e pouco bem tem causado. Tenho a esperança de que talvez uma nova era tenha amanhecido sobre nós e que haverá maior derramamento do Espírito Santo agora. Porque chega a hora e pode ser justamente agora quando o Espírito Santo será derramado outra vez, de uma maneira tão maravilhosa que muitos correrão de um lado a outro e se encherá de conhecimento! (…) Meu coração se alegra e meus olhos brilham com o pensamento de que muito provavelmente viverei para ver como ele assim derramará o Espírito quando, ‘os filhos e filhas de Deus outra vez profetizarão e os jovens terão visões e os velhos sonharão sonhos’”.

Qualquer avivamento que se possa ser registrado, nas proporções e brevidade preditas por Spurgeon, será um avivamento do Espírito no final do século 19 e início do século 20. Seria o avivamento das curas, liderado pelo presbiteriano A.B. Simpson? Seria o avivamento no país de Gales em 1904, encabeçado pelo avivalista Evan Roberts? Ou seria o grande avivamento pentecostal da Rua Azusa, em Los Angeles, liderado pelo negro descendente de escravos William Seymour, cujas proporções são inimagináveis, tendo influenciado fortemente até mesmo igrejas tradicionais?

Com toda certeza, foram os avivamentos carismáticos que tiraram as igrejas de sua “rotina monótona”, que rapidamente disseminaram o conhecimento do Senhor pelo mundo (hoje já são 700 milhões de pentecostais e carismáticos no mundo, em cem anos de pentecostalismo!), e nos quais se pode ver filhos e filhas profetizando!

III. Profecias ao longo da vida adulta de Spurgeon

Spurgeon não só foi alvo de profecia em sua infância, nem apenas fez uma profecia única em sua juventude. O dom operava nele regularmente, e pelo dom de profecia, a partir dos púlpitos em que pregava, declarava coisas íntimas sobre pessoas em seu auditório. O apóstolo Paulo disse que quando a igreja usa o dom de profecia no culto, “os segredos do seu [do indouto ou infiel] coração ficam manifestos, e assim, lançando-se sobre o seu rosto, adorará a Deus, publicando que Deus está verdadeiramente entre vós” (1Co 14.25).

Percebamos se não era exatamente isso o que ocorria durante as pregações de Spurgeon, conforme ele mesmo relata no volume 2 de sua Autobiografia (grifos meus):

“Houve muitos casos de conversões notáveis no Music Hall; uma especialmente era tão singular que eu muitas vezes relatava como uma prova de que Deus às vezes orienta Seus servos para dizer o que eles próprios nunca imaginavam proferir, a fim de que Ele possa abençoar o ouvinte para quem a mensagem se destina pessoalmente. Enquanto pregava no salão, em uma ocasião, deliberadamente apontei para um homem no meio da multidão, e disse: ‘Há um homem sentado ali, que é um sapateiro, ele mantém a sua loja aberta aos domingos; estava aberta no último domingo pela manhã; ele recebeu nove pence, e ganhou quatro pence de lucro. Sua alma está vendida a Satanás por quatro pence!’. Um missionário da cidade, que fazia sua caminhada, aproximou-se deste homem, vendo que ele estava lendo um dos meus sermões, e lhe perguntou: ‘Você conhece o Sr. Spurgeon?’, ‘Sim’, respondeu o homem, ‘Tenho todas as razões para conhecê-lo. Eu fui ouvi-lo; e, sob sua pregação, pela graça de Deus eu me tornei uma nova criatura em Cristo Jesus. Quer que lhe diga como isso aconteceu? Eu fui para o Music Hall, e sentei no meio do auditório; o Sr. Spurgeon olhou para mim como se me conhecesse, e em seu sermão, ele apontou para mim e disse à congregação que eu era um sapateiro, e que eu mantinha minha loja aberta aos domingos; e eu fiz isto, senhor. Eu não deveria me perturbar com aquilo; mas ele também disse que eu recebi nove pence no domingo anterior, e que tinha lucrado quatro pence. Eu de fato recebi nove pence naquele dia, e apenas quatro pence de lucro; mas como ele devia saber daquilo, eu não poderia dizer. Logo percebi que foi Deus quem tinha falado com a minha alma através dele, então eu fechei minha loja no domingo seguinte. No início, eu estava com medo de ir novamente para ouvi-lo, para que ele não dissesse às pessoas mais sobre mim; mas depois eu fui, e o Senhor se encontrou comigo, e salvou a minha alma”.

E antes que alguém insista na teimosia (ou incredulidade) e diga ter sido esse um caso isolado no ministério do pregador inglês e que não deve significar muita coisa, pergunto: quem realmente conhece a vida de Charles Spurgeon, e já tenha lido ao menos meia dúzia de livros sobre ele, que ainda não tenha ouvido falar sobre a vez em que ele apontou para um jovem no meio do salão e, não sabendo absolutamente nada daquele jovem, disse-lhe: “As luvas que você está usando não foram pagas, você as roubou de seu patrão!”, e de fato o jovem foi até ele no final do culto, trêmulo para se confessar? Este fato também está lá n Autobiografia de Spurgeon, e é recontada por muitos carismáticos sérios como Wayne Grudem e Jack Deere. Ademais, se pensam serem casos isolados, deixemos que Spurgeon mesmo ressalte:

Eu poderia falar de muitos, uma dúzia de casos semelhantes em que apontei para alguém no corredor, sem ter o menor conhecimento da pessoa, ou qualquer ideia de que o que eu disse estava certo, exceto que eu acreditava que era movido pelo Espírito para dizer isso; e tão marcante tem sido a minha descrição, que as pessoas foram embora, dizendo a seus amigos, ‘Venham ver um homem que me disse tudo quanto eu tenho feito; não tenho dúvida, ele deve ter sido enviado por Deus à minha alma, senão ele não poderia me descrever exatamente assim’. E não somente isso, mas eu tenho conhecido muitos casos em que os pensamentos dos homens foram revelados a partir do púlpito. Tenho visto algumas vezes pessoas cutucarem seus vizinhos com o cotovelo, porque tinham sido vividamente impactadas, e elas cochichavam entre si quando estavam saindo: ‘O pregador disse-nos exatamente o que dissemos um ao outro quando estávamos na porta’”.

Conclusão

Sim, Spurgeon não era só um expositor das Escrituras. Ele era também um profeta de Deus ao modo do Novo Testamento: falível e passível do julgamento da igreja. Mas era um profeta. Como dezenas de outros que o antecederam desde os dias da Reforma Protestante (John Knox, Samuel Rutherford, John Welch, Alexander Peden, e muitos outros) e como milhares que o sucederam após os grandes avivamentos espirituais do início do século 20. O Espírito ainda é o mesmo!

“Filhos e filhas profetizarão” (Joel 2.28)

Referências

Charles Spurgeon. The Autobriography of Charles H. Spurgeon, vol. 2 (Curts & Jennings, 1898), p. 226-227

Martin Lloyd-Jones. O comportamento cristão, exposição sobre o cap. 12 de Romanos, PES, pp. 279-283,

Samuel Storms. Dons Espirituais, pp. 104,109, Anno Domini

Wayne Grudem. O dom de profecia no Novo Testamento e hoje, Carisma, pp. 252-261

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