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Juiz se manifesta sobre pedidos de prorrogação do lockdown em Parauapebas.

Como foi noticiado , o Ministério Público do Pará, através da 4ª Promotoria de Justiça de Parauapebas Saúde e Educação, por meio de Ação Civil Pública, número 0802772-15.2020.8.14.0040, protocolada na última sexta-feira (22), solicitou à Fazenda Pública de Execução Fiscal da Comarca de Parauapebas que o período de lockdown seja estendido por mais 15 dias na “Capital do Minério”.

Segundo justificativa do Ministério Público“a Pandemia é um mal que acomete a todos e deve ser solidariamente enfrentado, com cada um oferecendo um pouco para a coletividade, e não será vencida sem maiores perdas se todos não se unirem e cooperarem para que a capacidade do sistema de saúde se amplie, ou que dele não precisemos. Expor a população sem qualquer embasamento técnico ou sem que haja uma retaguarda de saúde para atender os que precisarem, por certo não é a melhor solução. Isto posto, o parquet requer que seja determinada a medida de isolamento social denominada lockdown, após o encerramento do prazo do decreto estadual, sem prorrogação e/ou determinação da medida pelo gestor municipal, pelo prazo mínimo de 15 dias, com a apresentação de relatórios ao final do prazo definido por Vossa Excelência, sobre os melhoramentos realizados na estrutura médico hospitalar, ampliação de leitos de UTI do HGP, funcionamento pleno dos 100 leitos do Hospital de Campanha, balanço da taxa de ocupação de leitos de UTI no período, a aquisição e o pleno funcionamento dos respiradores adquiridos ou recebidos pelo município, e quaisquer outras informações reputadas pertinentes por Vossa Excelência, tais como estudos técnicos a serem realizados por instituições idôneas na área de saúde e/ou doenças infecto contagiosas”.

Ainda de acordo com informações apresentadas na Ação Civil Pública pelo Ministério Público, assinada pelas promotoras Alinha Cunha (4ª Cível PJ de Parauapebas) e Cristyna Michiko Taketa Morikawa (6ª PJ Cível de Parauapebas), “até o presente momento não há nos autos notícia de estudo técnico-científico que respalde o retorno das atividades comerciais, e portanto, a circulação da população, de forma segura”.

Por outro lado, as entidades de classe que representam comerciantes e proprietários de bares, restaurantes e similares, com o apoio do prefeito de Parauapebas, anunciaram a reabertura do comércio de forma gradual nesta segunda-feira.

Justiça se manifesta

Nesta segunda-feira (25), juiz Lauro Fontes Júnior se manifestou sobre os pedidos de prorrogação do lockdown, pelo Ministério Público e abertura do comércio em Parauapebas, por entidades de classe e expediu as seguintes decisões:

(1º) O MPPA (evento n. 17363828) solicitou a prorrogação desse fenômeno, uma vez que a estrutura de saúde local se mostra colapsada, com viés de agravamento inqualificável; e, (2º) A ACIP, o CDL, bem como o SEAHPAR (evento n. 17364404), requereram a abertura gradual da atividade comercial, já que o Decreto estadual n. 792/2020 encerraria seus efeitos a partir de hoje (24.05.2020).

Na oportunidade foi proposta uma modulação de retorno às atividades comerciais, revelando a data de 20.06.2020 como aquela em que seria possível o pleno restabelecimento do setor. Reconhece-se que a situação concreta se mostra complexa, a exigir uma coadunação de cenários que só na aparência seriam excludentes, destacando-se, de todo modo, o relevo da tutela da vida humana. Tanto é verdade que o inciso II, artigo 3º, da Recomendação 66 do CNJ, aconselhou que todos os juízes que detivessem a competência sanitária adotassem cautela nas hipóteses de revogação dos Decretos cujos objetos promovessem o distanciamento social.

“Art. 3o Recomendar a todos os juízos com competência para o julgamento sobre o direito à saúde que avaliem, com maior deferência ao respectivo gestor do SUS, considerando o disposto na LINDB, durante o período de vigência do ‘estado de calamidade’ no Brasil: (…)

II – Os pedidos de revogação de decretos ou normativas locais que visem ao controle e à mitigação da pandemia pelo novo corona vírus e a Covid-19; (…)” Dessa mens legis é possível prospectar o grau da importância da temática protetiva contemplada em vários atos administrativos cujo teor é o isolamento social. Inicialmente, destaco que a perda da eficácia do Decreto estadual não obsta, ou frustra a reboque, quaisquer daqueles emanados pelo Município, que até então vigoraram com sobreposição de efeitos protetivos. Plano de proteção mais do que justificável. É que o próprio município de Parauapebas, com base em projeções matemáticas, informou que na data de 03.06.2020 (evento n. 16970849 – Pág. 8) estaríamos com próximo de 10.000 pessoas contaminadas pela SARS-Cvd-2, situação que demandaria estrutura hospitalar com aproximadamente 400 leitos de UTI. Prognóstico estatístico e estrutural oportunamente corroborado pelo Secretário municipal de saúde (evento n. 17000189). Previsão preocupante, se constatarmos que aos 30.04.2020 (evento n.16970849 – Pág. 8) 100% dos leitos de UTI já estavam tomados. Contexto de elevada criticidade, destoando de outras realidades nacionais. Prognoses fáticas que vêm ganhando textura concreta. Basta notar que o último Bolem Epidemiológico, datado de 24.05.2020, ter-se-ia 1.327 casos confirmados; 75 internados e 60 óbitos, evolução surpreendente, já que menos de 30 dias antes (28.04.2002 / evento n. 16970849) a cidade registrava 122 casos confirmados para COVID-19; 17 internados e 08 óbitos. Se a contaminação viral se mostra irrefreável, o salvar vidas, como política pública ética e responsável, conforme notação de Hans Jonas em seu Princípio da Responsabilidade, condiciona-se ao reajustamento da estrutura do sistema de saúde, ainda que na sua porta de entrada. Somente pela administração da curva de contágio é que a eficiência sanitária poderá ser exitosa. Não foi por outro motivo que aos 05.05.2020 (evento n. 17037401), em decisão proferida neste feito, que foi determinado que a gestão pública, para ser legítima, deveria movimentar-se tendo como pressuposto o suporte técnicocientífico. “quaisquer alterações no Decreto Municipal n. 609/2020 e suas edições deverão ser baseadas em dados técnicos, sob pena de ilegítimas. Assim, caberá ao gestor municipal, desde que amparado em laudos técnicos, alterar o alcance e a vigência de quaisquer das medidas de constrição à atividade comercial contempladas no referido Decreto e suas futuras edições. Na inexistência de tais informações técnicas e diante do que auferido das informações retro apresentadas, presumindo-se a manutenção do status quo , injustificável, por ora, qualquer mediação entre as partes processuais”. (sic). Grosso modo, quaisquer reajustes futuros às políticas públicas de controle sanitário, pro et contra à flexibilização do isolamento social, deveriam ser feitas com apoio de estudos técnicos e científicos.

Neste aspecto, ainda pendem dúvidas sobre esse avanço, muito embora tenha sido destacada a aquisição de 20 respiradores. É que tal aquisição sequer foi identificada junto ao Portal da Transparência[1], como determinado pela Lei 13.979/2020 e pela Recomendação do MPPA[2]. Também não se sabe sobre a eficiência e a operabilidade desses equipamentos (grau de invasão e saturação)[3], muito embora se tenha, desde o dia 05.05.2020[4], veiculado tal informação na plataforma egov do executivo local. Nessa conjuntura, não há como identificar o adequado trato da modulação do binômio fluxo população/estrutura hospitalar. Pois, se se mostra incontroverso que 70% da população poderá ter o patógeno, para que o controle da curva de contaminação seja controlado para salvar vidas, de duas, uma: ou se reorganiza a estrutura de saúde, ou se regule o fluxo de movimentação urbana. Sobretudo porque depois da divulgação da aquisição desses supostos respiradores ou ventiladores – havendo distinção de invasividade e eficiência mecânica – o gestor municipal, aos 12.05.2020, por meio do Decreto municipal n. 537, admitiu que “por volta do dia 06 de junho de 2020, atingiremos o pico de infectados com 7.777 casos, com uma necessidade de 366 leitos de internação penas para os casos de COVID-19.” Não foi sem razão que se compreendeu que qualquer flexibilização futura do nível de isolamento social deveria ser parametrizada, como motivo determinante, em análises técnicas e cientificas recentes. Reflexamente, qualquer omissão deliberada e conscientemente planejada para atender grupos de interesses, como deixar os efeitos dos decretos de proteção perderem propositalmente sua eficácia jurídica-protetiva, poderia consubstanciar ilícito de natureza político-jurídica. Supõe-se que essa formula de balizamento técnico-cientifico foi o móvel que esteve por trás da edição do Decreto municipal n. 519/2020, que dentre seus tópicos instituiu o Comitê Científico para planificação e assessoramento ao enfrentamento da COVID-19. Como pode ser observada da ordem cronológica aqui tratada, o enfrentamento da contingência sanitária desde o início da crise nunca deixou de compassar passos de ajuste e aprumo ante à escalada evolutiva da contaminação comunitária pelo COVID-19. Pelo menos até a data de hoje, já que sinalizado que, numa “carona” a perda da eficácia do Decreto estadual, contrariando a imposição das técnicas cientificas, ensaia-se um incauto e abrupto abrandamento das medidas de segurança sanitária local.

Movimento que, por ora, não se sabe se legítimo ou irrefletido, com potencial de incremento obituário.
Diante dessas considerações, com base no princípio da não surpresa, na Lei 13.655/18, bem como no artigo
5º da Resolução 66 do CNJ[5], DECIDO:

(a) INTIME-SE pessoalmente o gestor municipal para que, dada à urgência temática, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, informe se houve modificação, readequação, revogação, inclusive tácita, do Decreto municipal que tem como objeto o distanciamento social. Também deverá ser aportado as motivações utilizadas. No mesmo prazo deverão ser
esclarecidos os motivos de a aquisição dos supostos respiradores não terem sido alimentados no Portal Transparência, conforme determinado pela Lei 13.979/2020.

(b) INTIME-SE pessoalmente o Secretário Municipal de Saúde para que, também no prazo de 24 (vinte e quatro) horas informe, bem como particularize, o fluxo de atendimento diário de pacientes suspeitos ou não pelo patógeno da COVID-19, como o quantitativo de leitos com UTI/Respirador na estrutura pública, além de atestar a adequabilidade numérica diante da criticidade de Parauapebas. Na oportunidade deverá ser explicado se esse quantitativo encontra correspondência com aquele outrora sinalizado como ideal (evento n. 17000189). Se não for o caso, deverão ser declinadas as alternativas possíveis para diminuir o stress do sistema de saúde. Também deverá ser explicado se os referidos 20 respiradores (ou ventiladores) supostamente adquiridos, estão em utilização, bem como se se mostram adequados ao tratamento da COVID-19, notadamente nos casos críticos.

(c) No mesmo prazo deverá o Secretário Municipal de Saúde, conquanto a Portaria n. 1.405, de 29 de junho de 2006, coube instituir a Rede Nacional de Serviços de Verificação de Óbito e Esclarecimento da Causa Mortis (SVO), precisar o número de óbitos ocorrido nos últimos 30 (trinta) dias, identificando aqueles que tiveram (c.1) causa indefinida;

(c.2) aguardando resultado; (c.3) em investigação; (c.4) Síndrome Respiratória; (c.4) pneumonia; (c.5) doença pulmonar; e, (c.6) ou qualquer outra classificação aberta de fechamento/conclusão no que toca a causa mortis.

(d) INTIME-SE pessoalmente o médico infectologista, Dr. Thiago Soares Fonseca, Coordenador do Comitê Científico instituído pelo Decreto municipal n. 519/2020, para informar se, dado o quantitativo de casos de COVID-19, bem como tendo em vista a atual estrutura médico-hospitalar da rede municipal de saúde, se houve a emissão de laudo, parecer, ou documento similar, que tenha tido como objetivo auxiliar na tomada de decisão sobre a retomada das atividades comerciais. Deverão ser aportados aos autos todos as manifestações técnicas emitidas por esse Comitê Científico e que tiveram com objetivo o assessoramento na tomada de decisões administrativas pelos agentes políticos.

(e) INTIME-SE pessoalmente o médico intensivista Dr. Sérgio Paulo Carneiro Júnior, integrante do Comitê Científico instituído pelo Decreto municipal n. 519/2020, para que, também no prazo de 24 horas, informe, de forma categórica, se os 20 respiradores por ele citado no portal municipal já estão em plena funcionalização, bem como se se mostram adequados, sobretudo para “segurar a saturação” dos infectados pelo patógeno. Deverá ser esclarecido se há pacientes em fila de espera para utilização da UTI/Respirador. E, se for a hipótese, qual procedimento então adotado. E, por fim, se a atual estrutura de atendimento de UTI se mostra apta e suficiente à patologia viral.

(f) Considerado a participação da AMC – Associação Médica de Carajás, bem como o Conselho Municipal de Saúde,
ambas na qualidade de amicus curie (artigo 138, CPC), determinado a intimação de ambas para, também no prazo
de 24 (vinte e quatro) horas, manifestarem sobre a abertura/fechamento da atividade comercial, limitando-se nas
informações técnicas, sobretudo no que diz respeito à estrutura atual do sistema de saúde do município de
Parauapebas e a atual evolução da pandemia.

(g) Admito a participação da OAB/PA na qualidade de amicus curie, já que sua história se confunde com a tutela dos
direitos humanos e, não é outra coisa que está em pauta. Sem prejuízo do prazo de 15 (quinze) dias, consoante o
artigo 138 do CPC, solicita-se, dada à urgência factual, os préstimos de uma manifestação liminar, no prazo de 24
(vinte e quatro) horas, de tal sorte a contribuir na análise do pedido de tutela de urgência.

(h) No referido prazo, deverão as entidades referidas no movimento processual n. 17364404 –CDL/ACIP/SEAHPAR – esclarecer, bem como comprovar, se a proposição de reabertura da atividade comercial foi lastreada em estudos
técnicos, notadamente diante das projeções matemáticas acostadas aos autos, que sinalizaram o pico de 10.000
contaminados pela COVID-19, demandando quase 400 leitos de UTI. Deverão explicar a base cientifica e técnica
que lastrou o conteúdo de suas últimas manifestações, já que não há qualquer subscrição de qualquer expert de
área epidemiológica, matemática, v.g.

(i) Transcorrido referido prazo, com ou sem manifestação, volvam os autos conclusos para decisão.

(j) Dada a premência da questão, tal decisão deverá ser cumprida com urgência, seja no plantão ordinário ou
extraordinário.
P. Intimem.

CUMPRA-SE, SERVINDO A PRESENTE DECISÃO COMO MANDADO/OFÍCIO/PRECATÓRIA.

Parauapebas, 25 de maio de 2020.
LAURO FONTES JUNIOR
JUIZ DE DIREITO

Confira a decisão na íntegra: NOVA DECISÃO – LAURO

Fonte: Portal Pebinha de Açúcar

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